Nóia - uma história do cotidiano
- Jason Prado. DP
- Jan 10, 2017
- 2 min read

Você está andando na rua e percebe que duas pessoas estão tomando conta dos seus passos.
Vinte e muitos, quase trinta; não são franzinos. Parece que voltam da praia, ou simplesmente moram na rua. Estão sem camisa, meio bebuns, meio drogados. Fingem cantar alguma coisa sem o menor sentido.
Você tem certeza de que foi marcado quando eles bandeiam para o seu lado, um se distanciando do outro, em passos desencontrados, atravessam a rua em sua direção. Sim, eles estão caçando.
Malemolentes, você pensa. E entrega de cara a sua idade. Aliás, é isso! Você tem barba e cabelos brancos, usa óculos. Você é a caça, a presa fácil desgarrada do grupo.
Não importa que não use jóias, que esteja andando à pé. Você simplesmente está naquele bairro e está vestido. Isso já te confere a condição de vítima.
Eles não acreditam que você seja tão cara de pau: você para na calçada. Faz meia volta, contorna um carro estacionado e atravessa para o lado de onde eles vieram. Como assim?
Ficam confusos, mas como você manteve o curso, decidem seguir pelo meio da rua, agora dez passos à sua frente.
Continuam cantando - puro nonsense. Apenas um hino de guerra, com sons desencontrados que marcam a dinâmica do seu assalto.
No mesmo passo trôpego, um deles volta à calçada e começa a andar em sua direção, como se fosse apenas um bêbado que fosse lhe pedir uns trocados.
Mas você não é idiota. Vê um porteiro atrás da grade e dispara seu pedido de socorro.
- O Paulo é no 501, não?
O porteiro se aproxima sem entender nada. E então você escuta o click que desarma o bote na cabeça dos predadores.
- Ele não quer correr riscos!, grita o que parecia mais bêbado, mais afoito.
- Paulo é o caralho, otário!, grita o segundo.
Os dois te encaram. Medem o terreno que os separa da sua carteira, talvez um celular, cartões de crédito, senhas. Ficaram putos. O porteiro percebe a manobra e abre o portão da grade que isola o edifício.
Perderam a surpresa. E talvez ainda ficassem no vácuo, se corressem até você e dessem de cara com portão se fechando. Ou talvez você corresse…
Dessa vez os bandidos perderam. Saem depurando suas piores qualidades, em alto e bom som.
Você reflete e anda até um botequim vazio na esquina da praia.
Respira fundo e lamenta.
Lamenta que isso esteja acontecendo assim, à luz do dia, em plena praia do Flamengo.
Lamenta que o tempo tenha lhe presenteado com essa aparência de presa fácil.
Lamenta pelas pessoas que vão achar que são “apenas dois bêbados”.
A paranóia salvou o seu dia.




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